domingo, 15 de março de 2009

QUANDO A CRIAÇÃO GANHA O MUNDO


O que é a criação? Quando é que sentimos a plenitude do criar? Não sei. Mas é possível que existam momentos em que a necessidade de se expor, de mover-se para o avesso, igual tripa virada, rouba a nossa vida, e o que parece ser apenas uma sensação de alívio imediato, sai do invólucro e passa a existir. O criador não pode se responsabilizar por contaminar pessoas, ou por induzir sentimentos alheios a tomar de assalto a sua suposta criação.

Recorrer ao que outros criaram para se revelar é, no mínimo, uma questão de autoconfiança. É paradoxo sim, mas é também reconhecer que uma ideia não deve ser meramente o reflexo de quem a teve. Talvez por isso eu seja tão contrário aos direitos autorais. É lógico que é gratificante ser citado como o indivíduo que teve a ideia tal. Mas não podemos nos ater apenas a isso, pois corremos o risco do individualismo. Em época de Internet, deparar com criações “roubadas” é muito comum. Já vi textos meus reproduzidos sem o devido crédito. E posso garantir que isso não me perturba mais. Lutar contra isso seria mais ou menos o mesmo que, numa analogia fraca, impedir a evolução das coisas.

A evolução das coisas no processo criativo é justamente deixar fluir a nitidez, o detalhe que esclarece uma criação. É deixar que outra pessoa diga além do que você conseguiu mostrar. E foi assim que aconteceu com um poema que escrevi recentemente para homenagear o amigo Humberto de Almeida. A parte da homenagem é simples: havia recebido alguns e-mails dele e por falta de tempo ou distração, não os respondi. Vi-me na obrigação de lhe dizer o quanto sentia muito pela negligência, mas o que poderia ser dito e continuar despercebido? Sim, queria dizer, mas ao mesmo tempo pensei em não me revelar.

Foi daí que tive o insight: criar uma poesia para me desculpar. No final das contas, o motivo já não fazia diferença. O poema foi surgindo conforme eu me contradizia com esse sentimento de dizer e não ser revelado. O desdizer, o dito pelo não dito. Tanto é que palavras como ‘taco’ (substantivo) e ‘taco’ (1ª pessoa do verbo tacar) se uniam para ampliar esse relacionamento de ideias. Em suma, quase todas as palavras do poema, têm essa dupla finalidade. Como o trocadilho com a palavra ‘calo’ (aquele horripilante tiloma que dá no pé) e a outra ‘calo’, de calar. Quando dei por terminada a poesia, deixei-a de lado porque algo lhe faltava, aquele detalhe esclarecedor, embora não houvesse espaço para nenhuma outra palavra. Pensava: o que fazer para acabar o que já foi feito?

Para muitos é difícil se desprender do filho querido e lançá-lo ao mundo, ou aos tubarões, como pensarão alguns. Mesmo quando o mundo o acolhe, o que não é raro de acontecer.

O detalhe revelador daquele poema veio logo após resolver publicá-lo. A outra etapa da criação surgiu de uma proposta da cantora Marta Nascimento para musicá-lo. Não que a música servisse de complemento para o que faltava à poesia, aliás, uma não completa a outra, elas apenas dão as mãos e seguem trilhas paralelas, se olhando e respirando o mesmo ar.Marta Nascimento, uma voz sutil, delicada, feminina. Não saberei explicar o porquê da escolha do meu poema para criar sua melodia, mas certamente, soube de cara que o que se criou, ou recriou-se, ultrapassou o que já estava feito. É o renascimento, a simbiose, a metamorfose de uma obra que se desloca e se equilibra para coexistir. E assim fez-se da "primeira poesia de 2009" a "primeira música da poesia de 2009", graças ao talento de Marta Nascimento e o entusiasmo de Humberto de Almeida.
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quinta-feira, 12 de março de 2009

GOSTO DE SANGUE, CAPÍTULO 10

O folhetim "Gosto de Sangue", escrito por Erika Liporaci para o Crônicas Cariocas, e publicado toda sexta-feira, chega ao capítulo 10. Na história de hoje, Marcelo Fontes conversa pela primeira vez com a sua misteriosa vizinha... Acompanhe aqui os passos desse jornalista para desvendar os segredos da moradora do seu andar, e a sua tentativa em buscar inspirações para terminar um livro encomendado...

No Eu Plural a homenagem aos poetas:

Trancrevo abaixo o texto publicado no "EU PLURAL", de Hmmberto de Almeida. Acesse também através do Crônicas Cariocas a música "Primeira Poesia de 2009", escrito por mim e musicado por Marta Nascimento.

EU PLURAL: Embora sabendo que os meus dois leitores saberão entender/compreender as bem traçadas abaixo, aos outros que não leitores meus, devo uma explicação. E vou dá-la. O texto abaixo, até mesmo para este escriba que a conhece tanto, é uma coisa rara. Por que rara? Porque escrito por uma compositora que sempre preferiu falar - e cantar - através das letras que escreve. Marta Nascimento, uma das melhores vozes surgidas nesses últimos tempos, uma voz verdadeira entre tantas falsas, intérprete para minha satisfação de tantas coisas minhas, nossas, mostra ao público - outra coisa rara - um dos mais belos momentos da natureza humana: o momento da criação. Em síntese: o belo poema de Francci Lunguinho, editor do cronicascarioca.com e Zumbido Cultural, dedicado as coisas deste escriba, dedicação que muito me honra, foi por ela belamente musicado. O resto é história.

NESTE EXATO MOMENTO, O EXATO INSTANTE DA CRIAÇÃO
Quer me deixar num mato sem cachorro? Pergunte-me que tipo de música eu faço? Difícil responder ou simplesmente fácil demais…! Não tenho estilo.


Faço o que me vem na telha. Segundo meu amigo Humberto, alguém já falou isso também e esse alguém deu certo (risos). Espero então que eu também dê.

Sou daquele tipo que aproveito o pouco que sei e se não sou um poço de sabedoria, saco muito coisa no ar e nessa sacada, acabo bagunçando idéias e me entrego ao prazer de dar asas ao que penso. E as criações acabam dando certo!

Não me atrevo a dizer que toco violão, mas adoro tocar nele (risos). Conheço o seu corpo, as cordas que o envolvem, seus tons, seus sons, mas não me pergunte nome de acordes, aí… Complica bastante. E muito menos, peça-me para acompanhar alguém, porque morro de vergonha de dizer: toco somente pra mim mesma…

Mas, quando tenho uma letra em mãos, uma letra que seja minha ou de alguém que conseguiu expressar aquilo que eu gostaria de falar, ele torna-se um parceiro inseparável. Procuro dentro do que conheço um caminho e, quando não encontro, vou tateando sons, gravando, regravando, escutando, escutando, escutando… Depois peço socorro ao meu mestre Carlão. O que fazer com isto que está na minha cabeça? Ele fala: simples. Dê-me a gravação que eu harmonizo e toco pra você. Santo Carlão! Por incrível que pareça ele gosta de tudo que eu faço. E o pior de tudo é que eu também (rindo muito).

Tudo isso para falar sobre como surgiu a idéia de musicar o poema do Francci Lunguinho em homenagem a meu amigo Humberto Almeida.


Primeira Poesia de 2009. Um poema forte que cheira a desabafo, e eu querendo gritar junto…!
Sem nenhum pudor, o imprimi. Passei a pensar “só naquilo” (mais risos). Li, reli, li novamente e pensava: por que só consigo escrever sobre amor? Não importa, melhor assim. Unir meu nome a alguém que tem as letras nas pontas dos dedos não deixa de ser exótico, já que também tenho a intuição musical também nas pontas dos dedos. Só mudou a forma de expressar.

E nos unimos num só momento, homenagem+poema=musica. Pra mim, difícil. Um poema já publicado, não poderia mudar uma só palavra. O que fazer? É aí que surge o olhar pra ele… O violão. Sentir suas vibrações e deixar vir a intuição para fazer acontecer. Surge, canto, gosto, mostro e agrado e agora?

Será que o poeta gostaria que seu poema fosse musicado? E me atrevo a escrever, pedir autorização. E pasmem… Fui autorizada. E o melhor de tudo: ele gostou. Que louco que são esses momentos de posse sobre algo que não é nosso! Eu gostaria de ter escrito aquilo e através da parceria vou poder gritar por onde for. Obrigada Humberto por existir e inspirar o Lunguinho. E ao Lunguinho, obrigada por me deixar berrar, através do samba. Samba? (risos) Essa homenagem.